Medicina de Viagem cresce como área médica
A Medicina de Viagem (MV), área de atuação médica iniciada informalmente na década de 80 e consolidada na seguinte, surgiu como resposta ao crescente deslocamento humano favorecido pela proliferação dos meios de transportes e do intercâmbio entre países ? em diferentes áreas, da comercial à científica, passando pelo turismo. A prevenção de agravos à saúde de forma individual e o controle da disseminação internacional de doenças são os seus principais objetivos. O único país que reconhece a MV como especialidade médica é a Austrália ? nos demais é área de atuação. Uma de suas características é a interface com diferentes especialidades médicas, como a clínica médica, pediatria, geriatria, obstetrícia, oncologia, doenças infecciosas e tropicais, epidemiologia e medicina tropical.
Os agravos à saúde dos viajantes resultam de exposições de várias naturezas, entre elas aos agentes infecciosos ao ambiente (como a doença das altitudes, observada entre praticantes de alpinismo), aos riscos associados às doenças cardiovasculares, aos acidentes automobilísticos, aos afogamentos e à violência urbana. Segundo casuísticas europeias e americanas,doenças cardiovasculares e os acidentes automobilísticos representamprincipais causas de morte entre viajantes. As doenças infecciosas apresentam elevada morbidade, mas contribuem somente com 1% a 3% das mortes entre os viajantes. Entre 20% e 70% relatam algum problema de saúde no decorrer da viagem, sendo a diarreia do viajante o agravo mais comum. Estudos apontam que, durante deslocamentos internacionais, cerca de 1% a 5% deles procuram assistência médica. Entre os que visitam amigos e familiares, há maior incidência de agravos à saúde durante a viagem ? provavelmente porque subestimam os riscos de adoecimento, permanecem fora das rotas turísticas e não aderem às medidas de prevenção recomendadas. A malária é um exemplo dessa situação, observada entre aqueles que buscam assistência médica no retorno à cidade de origem.
Aspecto fundamental dessa área é a informação atualizada em tempo real sobre a ocorrência de surtos e epidemias. O profissional envolvido deve acompanhar a velocidade das informações e a dinâmica da epidemiologia de doenças infecciosas e tropicais, que historicamente têm sofrido importação e exportação entre países, a exemplo do saramporespiratórias, como a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) e a atual pandemia de Influenza A H1N1, ambas associadas, no início, às viagens aos países de origem da doença.
A informação atualizada também é necessária aos profissionais que orientam aqueles que se deslocam dentro do Brasil, devido à extensão territorial e a diversidade do ecossistema do país. A febre amarela é um exemplo, já que temos acompanhado, de forma surpreendente, a mudança da situação epidemiológica da doença, especialmente pela ocorrência de casos no Rio Grande Sul e São Paulo, Estados que há mais de 50 anos não apresentavam registro da circulação do vírus amarílico. Vale lembrar que, na investigação dos casos entre os acometidos em área rural, observou-se que estavam associados a deslocamentos para lazer ou trabalho ? portanto,viagens eram uma das condições favorecedoras da ocorrência da doença.
De caráter preventivo e educativo, a prática da Medicina de Viagem nos centros de assistência ao viajante no Brasil consiste em consulta médica antes do deslocamento. O profissional fornece informações sobre formas de transmissão das doenças e como minimizar os riscos de adoecimento duranteviagens. Essa fase aborda os diferentes riscos de exposição a doenças, por exemplotransmitidas por água e alimentos como a diarreia do viajante, febre tifoide, parasitoses intestinais, Chagas e até poliomielite. Aborda ainda aquelas transmitidas por vetores (malária, febre amarela, dengue, febre maculosa e encefalite japonesa, entre outras), pelo ambiente e animais (como a raiva, um importante problema de saúde pública na Índia e China) esexualmente transmissíveis.
Os cuidados também abrangem a assistência ao viajante que retorna doente. As síndromes febris representam a principal demanda de retorno, sendo a malária a sua maior causa entre os que retornam da África Subsaariana e da América Central ? segundo dados publicados por David Freedmann e colaboradores. Diarreia, manifestações respiratórias e lesões de pele também se destacam entre os agravos de retorno.
Entre os que procuram o Núcleo de Medicina do Viajante do Instituto Emílio Ribas de São Paulo, o trabalho ? nas áreas como a construção civil, da saúde e informática, entre outras ? tem sido o principal objetivo de viagem.
O continente africano é o destino mais procurado, especialmente os países de língua portuguesa. A população atendida no núcleo nos últimos dez anos caracteriza-se por ter formação superior, condição que talvez favoreça a informação sobre a disponibilidade de serviços de medicina de viagem na cidade de São Paulo. A vacinação é uma das intervenções realizadas na consulta antes da viagem, porém não é a única. O regulamento sanitário internacional prevê a vacinação compulsória para algumas doenças em determinadas regiões ? por exemplo, a febre amarela na América do Sul e África Subsaariana.
Estudos apontam que menos da metade dos viajantes procura orientação antes de viajar e, quando o fazem, boa parte recebe orientações inadequadas. Esse é um indicativo do quanto ainda há por fazer nessa área de atuação médica, tão recente quanto crescente.
Criação de entidades específicas consolida saúde do viajante
Principais endereços eletrônicos de Medicina de Viagem:
http://www.who.int/
www.cdc.gov/travel
www.saude.gov.br/svs
http://www.cve.saude.sp.gov.br/
http://www.sbmviagem.org.br/
As práticas da Medicina de Viagem tiveram início nos Estados Unidos, Canadá, Suíça, Alemanha e Reino Unido. Embora a década de 80 seja considerada o marco inicial da área, há registros de sua prática na Europa desde o final dos anos 60. A MV surgiu no âmbito dos serviços de Medicina Tropical e consolidou-se com a criação, em 1990, da Sociedade Internacional de Medicina de Viagem (ISTM) ? que realiza conferências internacionais a cada dois anos e publica bimestralmente o Journal Travel Medicine. Posteriormente, a França e o Reino Unido criaram suas respectivas sociedades e departamentos. Em 2004, foi fundada a Sociedad Latino Americana de Medicina del Viajero (SLAMVI), o que demonstra a importância e a organização dos profissionais que atuam na área.
Principal entidade da área em nível global, a ISTM atua na criação de diretrizes para a redução de agravos e fornece informações atualizadas aos praticantes de Medicina de Viagem. Em conjunto com entidades, como a Organização Mundial da Saúde e o Centro de Controle de Doenças dos EUA, vem ajudando a implementar medidas de controle para evitar a disseminação internacional de doenças. A Sociedade Brasileira de Medicina de Viagem se consolidou em dezembro de 2008, por ocasião do I Simpósio em Medicina de Viagem, realizado na cidade de São Paulo.
O Centro de Informação em Saúde para Viajantes (Cives), do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi o primeiro serviço público especializado do Brasil. Entre 2000 e 2001 foram inaugurados, respectivamente, o Núcleo de Medicina do Viajante do Instituto de Infec.
Por Tânia Souza Chaves*